Um clube onde os jovens podem aprender mais sobre resistência aos medicamentos
Glorious Erhuanga raramente fica doente, diz ela. O que é bom, uma vez que não dá muita importância aos medicamentos. E também porque, segundo a própria, ela abusa dos medicamentos. "Abuso dos medicamentos no sentido em que não os tomo até ao fim. Se me sentir recuperada, paro. Mas sei que a doença não desapareceu completamente, eles [agentes patogénicos] escondem-se no corpo", explica.
Ela também admite que, embora tenha conhecimentos sobre os medicamentos sujeitos a receita médica porque a mãe é enfermeira, ela nunca compreendeu bem como funcionam ou quão perigoso pode ser utilizá-los indevidamente ou mesmo até automedicar-se até se juntar ao Clube de Saúde e Higiene da escola há dois anos, onde conheceu a "Tia Biola", a pessoa responsável pelo clube.
"Ela falou-nos sobre a nossa saúde e sobre coisas que não levamos a sério e que, na verdade, podem ser prejudiciais à nossa saúde, como a automedicação", relembra Glorious.
A Tia Biola estava a falar sobre esta prática crescente entre os alunos que as pessoas da sua organização constataram quando abriram inicialmente o Clube de Saúde e Higiene nas quatro escolas do estado de Lagos, na Nigéria. O conceito de clube foi criado para promover bons hábitos de consumo de água, higiene e saneamento, como lavar as mãos, a fim de prevenir a disseminação de infeções endémicas do país.
Era uma alternativa aos eventos pontuais e às campanhas que normalmente se realizam uma vez por ano, um modelo que a organização da Dr.ª Ameyo Stella Adadevoh (DRASA Health Trust), uma organização que trabalha para fortalecer a segurança e a saúde na Nigéria, porque acreditava que não estava a funcionar.
O conceito do clube centrava-se no lema "utilizar a pressão de grupo para o bem" e o objetivo era que os alunos dessem o exemplo para mudar o comportamento dos seus colegas. Enquanto "embaixadores da saúde", os membros do clube aprendem os factos sobre uma série de assuntos em cada sessão semanal e depois comunicam esses conhecimentos aos colegas de várias maneiras, incluindo na assembleia matinal realizada no recreio da escola e em qualquer formato que quiserem: dança, teatro, debates, concursos, redações, música, até músicas de rap.
O primeiro encontro com o problema da RAM
Semana após semana nos quatro programas experimentais realizados em 2016-2017, o pessoal da DRASA constatou o modo alarmante como os alunos partilhavam medicamentos que apenas deviam ser adquiridos com receita médica. Os alunos estavam a tomar antibióticos para a dor de cabeça e antimaláricos para tratar a febre. Ainda assim, poucos deles foram vistos por um médico.
A realidade da malária e o facto de as famílias terem poucos recursos para se dirigirem às clínicas na Nigéria muitas vezes levam os alunos e os pais a comprar medicamentos possivelmente falsos a vendedores de rua por um preço muito mais baixo. Foi o grau perigoso de automedicação com medicamentos sem receita médica que levou a DRASA a expandir o seu campo de ação.
"Decidimos ajudar os jovens a tomar decisões sobre a sua saúde com base no conhecimento e não na ignorância", diz Niniola Williams, Diretora-Geral da DRASA. "Damos-lhes os factos e ajudamo-los a compreender porque é que aquilo que fazem atualmente está errado . Não lhes dizemos o que tem de fazer ".
A DRASA estabeleceu uma parceira com a Organização Mundial da Saúde (OMS) para centrar a educação na resistência antimicrobiana (RAM) , e se expandir para outras seis escolas. A RAM é um problema crescente no continente africano e, a nível global, é responsável por cerca de 700.000 mortes por ano, de acordo com os dados da OMS.
Quando Glorious, agora com 17 anos, ouviu a apresentação do Clube de Saúde e Higiene, um dos temas centrais era a RAM. E ficou convencida.
"O que é que me chamou à atenção no clube?", faz uma pausa. "Falaram-nos sobre a Dr.ª Ameyo Stella Adedevoh e como ela ajudou a proteger a Nigéria contra o Ébola. Eu pensei, 'Uau, estas pessoas têm realmente muito para nos oferecer, e nós ficamos a saber aquilo que não sabemos sobre a nossa saúde'. Disse ao meus amigos que tínhamos de aderir. "O saber não ocupa lugar".
Os dados de avaliação referentes ao primeiro ano do clube em parceria com a OMS indicaram que o modelo de abordagem à RAM através de um clube tinha tido uma boa influência: entre os 320 embaixadores da saúde, o conhecimento sobre os antibióticos e o porquê de apenas deverem ser utilizados para tratar infeções bacterianas passou de 34% no início do ano letivo para 82% no final. E a noção de que é obrigatório tomar a dose completa de um antibiótico aumentou de 39% para 74%.
"Lembro-me que havia outro aluno cuja mãe era enfermeira", diz Williams, "e eles tinham um armário com medicamentos em casa. A mãe ensinou aos filhos que medicamentos deviam tomar para tratar vários sintomas, sem fazerem exames ou análises. Graças ao nosso programa, o aluno conseguiu mudar esse hábito em casa".
Porquê as escols?
Omotayo Hamzat, Diretor de Tecnologia e Inovação na Saúde do Programa Nacional da OMS na Nigéria, afirma que a Organização estava à procura de abordagens inovadoras ao problema da RAM. Constataram que os clubes da DRASA já estavam a funcionar em algumas escolas, um local onde as infeções se espalham mais facilmente do que os apontamentos de estudo. "Concluímos que podíamos transformar os alunos em embaixadores da mudança para ajudar a promover boas práticas de higiene e administração de antibióticos", explica.
"Serei para sempre uma embaixadora da DRASA", diz Glorious no que toca ao impacto que o clube teve na sua vida. "Mudou a minha forma de pensar. Deixei de pensar que posso tratar uma determinada doença à minha maneira, e que preciso de consultar um médico. Com tudo aquilo que aprendi, acho que nunca me esquecerei disso".
A DRASA está confiante de que esta abordagem pode funcionar com todos os alunos, tal como funcionou com o Glorious. "Espero que esta abordagem sejam implementada em todo o mundo. Os alunos pensam em coisas que nós nunca imaginaríamos", diz Williams.
O Governo concorda. Embora a pandemia da COVID-19 tenha colocado os planos de expansão em pausa, a DRASA e a OMS estão neste momento a trabalhar na expansão do modelo do clube para garantir que alunos de todo o país têm acesso a este tipo de aprendizagem.
Além de todos os problemas que esta pandemia trouxe consigo, está também a ameaça de exacerbar a o nível da RAM.
Muitas pessoas na Nigéria assumem que têm malária ou febre tifóide quando se sentem febris e tratam os sintomas sem fazerem análises nem procurarem assistência médica, explica William.
Isto é particularmente preocupante no contexto da pandemia da COVID-19 e considerando os números aparentemente baixos verificados no país. O facto de as pessoas não procurarem assistência médica acresce ao problema, devido ao elevado nível de automedicação com medicamentos antimaláricos ou paracetamol para tratar aquilo que poderá ser coronavírus ou outra infeção grave.
"É por isso que agora, mais do que nunca", salienta, "precisamos de ajudar os jovens do país a compreender a dimensão do problema da RAM e a serem embaixadores da mudança comportamental nas escolas, em casa e nas comunidades".